terça-feira, 30 de março de 2010

Recrutar bem, é uma questão de sorte?

Já ouviram frases tão opostas como:
   "... bem que equipa fantástica, onde os encontraste? és um sortudo por ter uma equipa assim..."
          ou
   "...não consigo encontrar ninguém de jeito. Só me apareçe malta complicada! É uns piores que os outros..."

Será que há os azarados e os sortudos no recrutamento?

No meu ver, o problema está um pouco mais atrás. Tenho sérias dúvidas que um pequeno ou micro-empresario tenha sequer uma ideia de qual o perfil que pretende recrutar, ou mais atrás ainda, como definir um perfil de recrutamento.

Então se isto não existe, o resto do caminho será um autentico acaso. Se não sei o que procuro, como sei quando encontrar?

Eu optei pelo seguinte esquema simples para me guiar num processo de recrutamento, que se traduz em estruturar 3 vectores fundamentais:
   1º que trabalho preciso que seja realizado, e quais as capacidades técnicas e comportamentais necessárias à sua execução;
   2º o que tenho para oferecer enquanto empresa que possa ser uma mais valia para os candidados que me procuram;
   3º qual a cultura de empresa que pretendo implementar, e o que isso significa em termos do processo de recrutamento em si, e da estrutura de valores do candidato.

O primeiro passo é o mais básico, e mesmo assim muito difícil e raramente cumprido. Trata-se de descrever o que a pessoa terá que fazer no seu dia-a-dia de trabalho (descrição de funções) e o que isso implica numa perspectiva de capacidades técnicas e comportamentais.

Exemplo (muito básico):
   Função: recepcionista
   Tarefas: receber os clientes quando chegam, facturar as vendas, fazer marcações na agenda, encaminhamento de reclamações, coordenação de circulação de clientes com restante equipa
   Competencias técnicas: ter noções de facturação; saber trabalhar com o sistema de facturação; saber trabalhar com o sistema de agendas;
   Competências comportamentais: facilidade de comunicação, organização, resistência ao stress.

Quando digo que muito raramente as pessoas cumprem sequer o primeiro passo, deve-se ao facto de quase sempre se ficarem pela enumeração das tarefas técnicas a realizar, sem pensarem no que isso implica na perspectiva do que a pessoa tem que trazer. Ex: imaginam alguém que não tenha alguma capacidade de resistencia ao stress e facilidade de comunicação a conseguir encaminhar um cliente furioso à equipa responsável pela resolução da situação? Ou já se imaginaram a reclamar e a recepcionista estar encolhida cheia de medo sem saber o que fazer, ou pior, desatar a disparatar em frente a outros potenciais clientes?

Pois. O primeiro passo para se fazer um bom recrutamento passa, de uma forma muito simples, saber o que esperamos da pessoa que vamos recrutar. Isso pode passar por fazer um exercício como o exemplo que dei acima numa folha de papel. Não vale a pena complicar pois o ser humano perfeito não existe. Vale a pena indicar em cada uma das linhas, um máximo de 5 aspectos que consideramos os determinantes.

Digo para não complicar este passo, pois ele deverá repetir-se a cada recrutamento. É que enquanto recrutadores sem experiência - e não tendo dinheiro para pagar uns quantos consultores para nos ajudar no processo - é muito provavel que a cada interação revejamos o perfil, e vamos colocando e retirando aspectos, pelo que ao longo do tempo o nosso recrutamento nesta função será cada vez mais afinado.

Para o pequeno e micro-empresário, a ganhar prática e ter um mínimo de método de trabalho para esta tarefa de recrutar, é fundamental. Pois num negócio embrionário e de pequenas dimensões, escolher as pessoas erradas pode deitar tudo a perder! Por isso, invista tempo seriamente nesta tarefa. O que vai aprender com esta experiência vai ser útil para o resto da sua vida!

Ao fim de umas quantas entrevistas para esta função, já começa a ter uma ideia clara do tipo de pessoas que andam pelo mercado. E após recrutar a primeira vez para a função, terá a confirmação se aquilo que procurou era de facto o critico para o sucesso. Caso não tenha corrido bem, tire lições, verifique o que falhou. Que características fizeram a pessoa não funcionar bem? Escreva-as e guarde para referência em processos futuros. Ex: "morava muito longe, e a dificuldade de transporte fazia com que se desleixasse no trabalho nos finais de tarde para conseguir chegar a horas a casa". Na próxima inclua nos seus critérios: "mora perto ou tem facilidades de deslocação até ao local de trabalho?"

Mas como disse, saber o que precisa ser feito, e encontrar uma pessoa que tenha condições de o fazer, é apenas o primeiro passo! E não é suficiente para que de facto a pessoa tenha sucesso, e fique na sua empresa.

Vamos então ao passo 2: "o que tenho para oferecer enquanto empresa que possa ser uma mais valia para os candidados que me procuram"

Do que vale contratar alguém que ambiciona dirigir equipas se não terá essa possibilidade? Do que vale contratar alguém que já sabemos que claramente não deseja aquilo que temos para oferecer, e que estará ali de passagem? Muitas vezes caimos na tentação de contratar o "super" e tentar fazer tudo para o convençer a ficar. Mas esqueçemos a questão mais básica: "o que é que realmente ele quer nesta fase da sua vida??? Será que temos algo para lhe oferecer que lhe possa interessar?"

É que as pessoas precisam de motivadores para funcionar. E motivadores podem ser dinheiro, trabalhar perto de casa, ter mais tempo para os filhos, ter um título ou função que lhes dê prestígio, fazer um trabalho que lhes dê prazer, etc... E nem todas as pessoas se motivam pelas mesmas coisas!

Eu posso oferecer a possibilidade de trabalhar perto de casa, mas se o que move a pessoa é prestígio, o trabalhar perto de casa só funciona como mais valia se a sua motivação principal estiver respondida. Esta função pode ser encarada pela pessoa como prestigiante? Ex: tenho um licenciado em gestão, que já foi director comercial, e que neste momento está num processo de recrutamento de recepcionista. O que se passa? O que procura ele? Poderá ser uma pessoa excelente na função, mas só faz sentido contratá-lo se o que procura estiver alinhado com o que tivermos para oferecer. Por exemplo, pode ser uma pessoa que tem poucos encargos financeiros, e cuja principal motivação é conseguir um rendimento mínimo suficiente, estar perto de casa e poder dar mais atenção aos filhos. Bem, aí poderemos ter um casamento perfeito!

Portanto, resumo do ponto 2: preocupa-te em saber o que o candidato à tua frente deseja para a sua vida, e faz uma análise séria do nível ao qual consegues ir de encontro às suas expectativas. E sé sério no assunto, senão corres o risco de a pessoa até entrar, mas depois sentir-se enganada. Este ponto é fundamental para poderes manter a pessoa a médio prazo (mais de 6 meses).

E chegamos ao passo 3: "qual a cultura de empresa que pretendo implementar, e o que isso significa em termos do processo de recrutamento em si, e da estrutura de valores do candidato"

Mas ainda não chega??? É preciso mesmo passar estes passos todos???
Claro que depende da criticidade da função para a empresa, da facilidade em encontrar candidatos qualificados para a área, das necessidades de formação inicial até a pessoa estar apta a desempenhar com sucesso as funções. Em casos mais simples, há que manter as coisas simples.

O cenário que estou a descrever pressupões uma pequena empresa focada em serviços ao consumidor, caso em que a qualidade da sua equipa faz parte das caracteríticas percebidas pelos seus clientes. Uma equipa de má qualidade , dará uma percepção de má qualidade aos seus clientes. Se isso for crítico para o seu sucesso, um mau recrutamento pode ser a morte da empresa. Num cenário de uma pequena loja de vendas de produtos, sem grande valor acrescentado ou complexidade, poderemos considerar que as exigencias não são tão grandes, mas tudo depende do posicionamento da empresa e do mercado algo que pretende atingir.

E no caso que escolhi, este último ponto pode ser o mais crítico numa perspectiva de continuidade da pessoa a longo prazo (mais de 1 ano).

"Cultura de empresa, valores do canditado... isso é tudo muito subjectivo".

Bem, de facto não é completamente objectivo. Mas deixem-me dar um exemplo para ajudar a perceber a criticidade.

Cultura de empresa é normalmente definido como a maneira como as coisas se fazem, e está habitualmente associado aos comportamentos do líder. Uma cultura pode facilitar ou dificultar o sucesso de uma empresa.

Por exemplo, se o líder tem a cultura do problema (está tudo mal, são todos maus, etc), se quando ele aborda os temas é normalmente numa perspectiva de apontar apenas os erros e culpabilizar os outros, naturalmente quem não se revê nessa maneira de trabalhar irá sentir-se desconfortável na empresa. Ao longo dos anos, tenderão a ficar na empresa as pessoas que também se revêm nesse comportamento, e que se sentem confortáveis/protegidos com ele. Será que este comportamento ajuda ao sucesso da empresa? Se não, então a empresa terá um problema sério, e que só se resolverá de uma maneira: despedir o patrão!

De modo oposto, se o líder olha para as dificuldades como oportunidades de aprendisagem e melhoria, sendo exigente mas mantendo uma atidude positiva e construtiva... serão pessoas que se revejam nesse comportamento que ficarão na empresa a longo prazo.

Há aqui portanto um trabalho fundamental de análise do líder acerca das suas forças e fraquezas, e de que características são fundamentais ao sucesso da sua empresa. E caso ele enquanto líder não tenha algumas dessas caracteríticas, é fundamental que o reconheça claramente, e premeie quem exibe os comportamentos considerados de sucesso, fazendo ele próprio um esforço claro em se alinhar.

Imaginemos que o líder concluir que o sucesso do modelo de negócio que montou assenta na capacidade das pessoas em manter uma atitude positiva e trabalhar em equipa.

Ele tendo isto claro, deverá no próprio processo de recrutamento tentar perceber se o seu candidado exibe os comportamentos desejados. Se deparar com uma pessoa que tendo as competências tecnicas necessárias e comportamentais, demonstra ser um individualista com uma atitude negativa, poderá não ser a a melhor pessoa a integrar. Até pode (pegando no exemplo da recepcionista) ter capacidade de encaminhamento de reclamações, ser organizado, comunicativo e resistente ao stress. Mas ao mesmo tempo pode criar conflitos com a equipa, criar problemas onde eles não existem e provocar falhas no processo.

Todo o processo é uma questão de equilibrio entre os diversos aspectos. Conforme disse, o ser humano perfeito não existe.

Não vamos iniciar o processo considerando que encontraremos a pessoa que tem todas as competências técnicas e comportamentais que desejamos, que deseja para a sua vida exactamente aquilo que a nossa empresa tem para oferecer, e que exibe uma estrutura de valores completamente alinhada com a cultura que desejamos para a empresa. Em cada um dos pontos, cada candidato será mais forte nuns e mais fracos noutros, pelo que aí o desempate estará na nossa consciencia acerca de quais as "falhas que melhor temos capacidade de gerir".

Pois, é que o trabalho do gestor é esse mesmo: equilibrar os requisitos do negócio com as reais capacidades de modo a promover os melhores resultados. Um excelente gestor, conheçe profundamente a si próprio, à sua empresa e às pessoas que tem a trabalhar consigo, e concilia as diversas dimensões de modo a maximizar os aspectos positivos de quem escolhe para a sua equipa, e ao mesmo tempo controlar ou minimizar os aspectos menos positivos.

E daqui podemos claramente comprender que recrutar e seleccionar é apenas o início de uma viagem. Fazer este processo bem aumenta a possibilidade de o profissional escolhido ter sucesso, mas não é suficiente.

Após recrutar (procurar o que precisamos) e selecionar (escolher o mais adequado), temos que acolher a pessoa na empresa, integrá-lo na equipa e nos processos de trabalho, formá-lo nas áreas criticas à sua função (sejam técnicas ou comportamentais) e desenvolvê-lo ao longo da sua vida na empresa.

Destes últimos passos, falarei num outro post.

Espero que estas ideias simples ajudem a recturar melhor, e não deixar tudo à sorte!

quarta-feira, 17 de março de 2010

O estado (entidades públicas) para as pequenas empresas

Falava eu com um amigo, que por acaso é natural de um outro país Europeu lá mais para o norte.

Durante a conversa desabafei que uma das minhas principais ocupações enquanto gestor e empreendedor, era garantir que o estado não me levava à falência. Que os requisitos são tantos, de tantas entidades, e inspeccionados por outros tantos, com multas tão pesadas, e o aparelho de estado dificulta tanto a vida a quem quer cumprir...

Resumindo nas palavras dele: mas o estado não está ao teu lado para te ajudar a ter sucesso??? Como se isso fosse absolutamente inquestionável.

Ao que tive que responder: não, infelizmente não. Tenho que confessar que o estado Português é presente sobretudo como carrasco à procura de algo para te tramar. A postura da grande maioria dos seus funcionários é de quem te faz um favor só em te ouvir, e que o seu papel é apanhar e punir todos os que não conseguem cumprir os imensos requisitos que este lhe impõe.

Contei-lhe um exemplo: para solicitar fundos públicos de apoio à criação do próprio emprego, e exigido que exista um espaço comprometido à data em que se der entrada no processo. Este processo pode chegar a levar 1 ano a ter resposta. Será que algum senhorio mantem um espaço para arrendar um ano sem receber renda? Será que alguém que está desempregado consegue pagar 1 ano de renda à espera dos apoios públicos de criação do próprio emprego? E quando vamos aos serviços publicos pedir apoio, deparamos com um beco sem saida. Ninguém sabe, ninguém responde, e dizem que se quiser temos que esperar (e surpreendem-se de os programas públicos de incentivos a empresas estarem brutalmente SUB-executados).

Outro exemplo: uma empresa abriu uma actividade cujo licenciamento publico tem levado cerca de 2 anos. Se abrir sem licença, pode pagar multas monumentais e fechar a porta por não conseguir suportar a pressão financeira. Se quiser cumprir a lei, o peso de 2 anos de rendas sem receitas é de tal modo pesado, que mata o projecto de investimento antes mesmo de abrir.

Então? Como fazem no teu país para abrir empresas?

Respondi-lhe que tenho recebido sugestões em 2 sentidos. Uma possibilidade passa por abrir rapidamente e sem todos os requisitos legais necessários, confiar na incapacidade do estado de fiscalizar, e arriscar. Outra possibilidade é "pagar" as pessoas certas para que não hajam fiscalizações.

Porque o processo ser lento é garantido em qualquer dos casos.

Então perguntei-lhe: e no teu país como é?

E dizia-me ele: lá temos gabinetes de apoio às empresas, que promovem o empreendedorismo, apoiam na obtenção de funtos públicos e comunitarios, dão formação e acompanhamento, e funcionam como elo de ligação com o estado no sentido de nos orientar pelos tramites legais e pelos melhores caminhos com vista ao sucesso. São autenticos consultores a trabalhar para te ajudar. O estado está lá em primeiro lugar para nos ajudar e orientar, e só depois para confirmar que fizemos as coisas bem, e caso seja necessário punir os incumpridores. Mas a confiança no sistema de justiça é tal, que geralmente se cumpre.

A conversa durou algumas horas e cheguei à conclusão: realmente abrir uma empresa hoje em Portugal é uma verdadeira aventura de alto risco. Isto claro, para os pequenos empresários sem capacidade financeira para pagar as pessoas certas, ou sem amigos nos sitios certos.

Se este estado de coisas não mudar, como esperar uma saida sustentada do buraco de pessimismo em que este país está mergulhado?

É impensável para investidores de certos países investir em Portugal se verificam que a moldura legal é pantanosa, o sistema público é excessivamente burocrático, a atitude das entidades públicas é de carrasco, o sistema de justiça não funciona, e a corrupção abunda...

Só mesmo nós que amamos este país, que aqui nascemos e crescemos, e que teimosamente continuamos a querer fazer dele um lugar de futuro para nós e os nossos filhos é que somos corajosos o suficiente para cá desenvolver novos projectos de investimento.

1ª barreira ao desenvolvimento económico Português: uma justiça que não funciona porque ou não responde, ou responde tardiamente, e que assim beneficia o incumpridor.
Estão criadas as condições para a mais violenta selva empresarial, em que é o salve-se quem puder.

Um contexto assim dá confiança para projectos de investimento estruturantes com retornos esperados nunca antes de 8, 10 ou 15 anos???

Gostaria de vos deixar aqui um caminho de como fazer, mas não tenho respostas concretas.
Apenas vos posso dizer qual foi a minha opção: agir de acordo com os mais rigorosos princípios éticos sobre os quais os meus pais me educaram, tentar cumprir todas as obrigações legais, e ter esperança que se um dia tiver problemas de alguma ordem, as decisões fiquem nas mãos de alguém correcto para quem os dois aspectos anteriores pesem na decisão pela minha sobrevivência.

É uma formula de sucesso garantido para investir em Portugal? Não. Mas é a única que consigo conceber à luz da minha esperança de que este país encontre o seu rumo, em que a justiça começe a funcionar, o estado passe a existir para ajudar os cidadãos e as empresas, e a corrupção seja violenta e frontalmente combatida.