sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Uma outra perspectiva sobre a realidade Palestiniana

Num momento em que a Europa sufoca com algum arrefecimento do consumo, achei impressionante a nova e fresca perspectiva que tive da história das terras da Palestina, e a miséria e discriminação que famílias inteiras vivem aqui tão perto de nós.

Se alguém chegasse a tua casa armado e te dissesse: "sai, pois por não seres da minha religião, esta casa já não pode ser mais tua, e terás que te mudar com os teus filhos e mulher para um lugar distante e remoto", o que farias?

Em Portugal, durante o período do pós 25 de Abril de 1974 (revolução de derrube da ditadura) foram muitas as invasões do novo poder comunista a terras e propriedades dos "latifundiários", em que alguns se viram despojados das suas raízes e heranças de família.

Conheço uma história de um criador de gado do Alentejo, hoje com mais de 70 anos, que me confessava ter passado semanas a dormir encostado à porta de casa com a arma ao ombro para defender a sua casa e a sua família.

Este é um outro lado do conflito palestiniano, que não é habitual ver-se nos telejornais, e que é chocante e inaceitável. Na minha humilde perspectiva, nenhum fim justifica estes meios.

Sou pró-muçulmano ou pró-judeu? Nenhum e ambos. Acredito na tolerância e na multiculturalidade em que povos com histórias distintas coexistem, se respeitam, e em que sobretudo a casa de cada individuo, a sua propriedade privada e o seu direito de nela viver em paz são bens inalienáveis.

Nesta perspectiva, e reconhecendo o direito ao povo Judeu de ter uma terra que chame sua, não posso aceitar que o façam expulsando de sua casa famílias que nelas habitavam à décadas ou séculos.

Fundamentalismo gera fundamentalismo, radicalismo gera radicalismo, intolerância gera intolerância.

Vejam no link anexo um resumo da evolução da divisão do que secularmente eram os territórios da Palestina, hoje vergonhosamente divididos entre o estado da Palestina e de Israel.



O que eu gostaria de ver num futuro? Um estado Palestiniano multi-cultural e multi-religioso em que todas as religiões do mundo coexistem de forma pacífica e democrática, sob uma mesma bandeira, e em que não existam mais muros (nem de preconceitos nem de betão), pois todos os que foram criados no século XX, a história encarregou-se de derrubar. Já devíamos, enquanto povo global, ter aprendido alguma coisa com a história...

Não são estes os temas que habitualmente me levam à escrita, mas não consegui ficar indiferente a este assunto.

Fica aqui o link: http://democraciapolitica.blogspot.com/2010/11/por-que-derrubar-o-muro-da-vergonha-na.html

Abraço do Angatú!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Apoios públicos ao investimento: uma vantagem ou um pacto com o diabo?

Venho contar-vos aqui uma história real passada em Portugal, digna de um filme de terror.

Imaginem que certo dia, ao se verem desempregados, decidiram responder ao apelo nacional de empreendedorismo e criar o vosso próprio negócio.

Face à escassez de capital, e mediante os “programas de acompanhamento a desempregados” do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), decidem aderir ao programa de apoio público à criação de empresas. Supostamente, este plano pretende auxiliar desempregados empreendedores com projectos viáveis a conseguir criar a sua própria empresa através da comparticipação a fundo perdido de até 60% do investimento, e ainda do pagamento de um valor fixo por posto de trabalho criado (estávamos em 2009).

A opção foi pelo sector do Fitness. O estudo feito revelava que havia falta de oferta numa determinada localidade, e face à prática de exercício físico tender a aumentar consoante as sociedades se tornam mais desenvolvidas, parecia ser uma boa oportunidade.

No plano de negócio, não foi contemplada nenhuma despesa com impostos na fase de arranque, pois face ao código do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado – que acresce ao preço de venda de todos os produtos e serviços) o Fitness estava taxado a 6%, o que significaria que nunca haveria IVA a pagar ao estado pois o IVA incluído nos serviços adquiridos pela empresa superaria o IVA cobrado aos clientes. Ou seja, até se teria uma pequena conta poupança que acumularia IVA, que se poderia reembolsar de tempos a tempos.

Também, no plano de negócio foi previsto preencher o quadro de pessoal com pessoas com contrato de trabalho, contrariamente à prática do sector em que na generalidade se contratam profissionais independentes como prestadores de serviços pagos à hora, pois ao haver uma equipa contratada, o grupo de trabalho tenderia a ser mais estável, e permitiria uma melhor qualidade de serviços prestados aos clientes finais.
O projecto é feito, é aprovado e dá-se então inicio à criação da empresa e preparação do investimento.

Facto 1 – Condições de pagamento dos apoios do estado:

Passados quase 2 anos de criação da empresa, o estado ainda só pagou pouco mais de metade do valor previsto, tendo sempre pago contra factura/recibo. Ou seja, se alguém está desempregado, não tem dinheiro para começar e por isso é que pede dinheiro ao estado! Se o estado só paga contra factura e recibo, significa que o desempregado tem que conseguir dinheiro para fazer e pagar o trabalho antes de o estado o apoiar?!?!  

A solução neste caso foi solicitar apoio à banca. Como estava desempregado, a banca não lhe emprestava nada. Assim, na expectativa de vir a ter um negócio viável e receber os prometidos apoios públicos, solicitou à família a entrada como avalistas destes empréstimos, tendo consciência que os juros pagos iriam aumentar a pressão sobre a rentabilidade do projecto que não estavam previstos. Face a estarmos a falar de necessidades de curto prazo, foram contratadas contas caucionadas (descobertos autorizados de curto prazo para apoio à tesouraria).

Como até este momento o estado ainda não pagou tudo, e a banca está em pânico, estas contas caucionadas são renovadas a cada 6 meses, e a cada 6 meses os juros sobem, asfixiando a vida desta pequena empresa.

Facto 2 – Alterações de contexto substanciais de responsabilidade exclusiva do estado:

Entretanto o estado decide alterar a categoria de IVA deste sector de actividade. Ou seja, no plano de negócio esta categoria nem tinha sido contemplada como explicado acima. De um momento para o outro o IVA alcança os 23%!!! Ou seja, automaticamente o estado aumenta os custos de contexto e leva 17 pontos percentuais de margem a um negócio que mal iniciou a sua actividade!!!

Mais grave que isto é que mantém um regime de isenção de IVA para empresas municipais e entidades sem fins lucrativos que competem com os privados neste sector. Ou seja, o clube desportivo da localidade aluga a sala de aulas a um professor que depois ao abrigo das regras de funcionamento do clube desportivo (muitas vezes financiados pelas autoridades municipais), criam aulas de fitness para diversos públicos sem qualquer investimento ou risco, sendo não apenas remunerados mas sobretudo desenvolvendo negócios que se vêm a revelar muito rentáveis para esses profissionais. Infelizmente, mas convenientemente, por vezes esses profissionais são funcionários municipais, ou pessoas próximas aos serviços de desporto das câmaras municipais, que desenvolvem estas actividades como uma fonte de rendimento extra.

Também, convenientemente muitas destas receitas não são facturadas, pelo que estas actividades acabam por representar um espaço significativo à economia paralela, acentuado pelo facto de as actividades desportivas deixarem de dar direito a deduções no IRS.

Esta situação configura a mais absurda distorção das boas práticas em termos de regras de concorrência nos mercados desenvolvidos.

Seria mais correcto do estado admitir: este sector de actividade é de utilidade pública e é do domínio exclusivo de entidades públicas ou protocoladas com entidades públicas. Era um modo mais sério de extinguir um sector privado de actividade.

Quem é apoiado, é fiscalizado, cumpre todas as normas e regras de funcionamento, adquire todos os licenciamentos, e funciona completamente dentro da legalidade, e desta forma acaba discriminado negativamente perante o que é a prática comum no mercado, prática esta que muitas vezes é sancionada pelo próprio estado, quer por acção directa quer pela omissão conveniente de alguns serviços quer centrais quer locais nas suas responsabilidades de actuar dentro da legalidade e fiscalizar.

Facto 3 – Política de risco zero pelo estado e risco total para o empreendedor e não funcionamento da justiça:

O estado dá incentivos com duas contrapartidas: os postos de trabalho têm que se manter por 4 anos, bem como a actividade da empresa, senão os sócios serão responsabilizados individualmente pela devolução das verbas. Ou seja, o estado apoia, mas obriga a que os sócios sejam avalistas da operação. O estado apoia, mas não partilha riscos no negócio. O custo do insucesso cai todo unicamente sobre o desempregado empreendedor. Além do que o estado, não aceita alterações ao projecto fruto de alterações no contexto económico.

O correcto seria o estado financiar a empresa, e depois ter a capacidade de auditar, mas sem comprometer o património pessoal existente do proponente. Assim, o estado partilharia o risco. Se a justiça em Portugal funcionasse, caso fossem detectadas irregularidades, os proponentes seria processados e aí sim, procurar-se-ia os bens pessoais dos mesmos para responder às suas responsabilidades.

Como a justiça não funciona, é mais fácil para o estado criar barreiras à entrada e barreiras à saída, que ponham o risco todo do lado do empreendedor. Esta é uma das razões por que o empreendedorismo não arranca a sério em Portugal: o preço a pagar por quem arrisca é alto demais, e quando o estado participa, pior ainda.

Facto 4 – Normas de cálculo dos apoios e estímulo ao despesismo e fraude:

O apoio previsto pelo estado obriga a um certo plano de investimento. Face à consciência do empreendedor, negociou bem com os fornecedores e conseguiu montar o negócio cerca de 15% abaixo do orçamento previsto, o que considerou excelente, pois iria reduzir as necessidades de financiamento. Pois sendo desempregado, as verbas necessárias para completar o investimento para além dos apoios do estado teriam que ser todas financiadas em bancos, bem como os prejuízos operacionais do período de arranque da empresa os quais o estado não comparticipa em nada.

Ora, a regra do estado é que se gastas menos, independentemente de ser por uma razão meritória, o estado paga menos. Tal, do conhecimento que tenho, tem provocado que a generalidade dos projectos apoiados inventem custos adicionais para ir buscar o máximo de dinheiro! No caso do projecto que aqui relato, ser honesto e bom gestor é penalizado.

Facto 5 – Inflexibilidade total do estado de adaptação à nova realidade e fuga à responsabilidade:

Perante todos os factos acima, o empreendedor solicitou ao estado urgência no pagamento das tranches finais do apoio, por um lado para apoiar a tesouraria num momento tão difícil, e por outro para liquidar algumas das contas caucionadas e minimizar os encargos bancários.

A reunião mantida com os responsáveis do IEFP pareceu uma procura incessante de razões para não pagar mais nada, e uma sessão de avivamento de todas as responsabilidades pessoais dos empreendedores em qualquer falha das normas do projecto conforme legislação existente.

Sugeriram que não criássemos todos os postos de trabalho e abdicássemos de alguns pagamentos, advertiram-nos para nos prepararmos pois face a termos poupado no investimento (apesar de ter executado todas as rubricas e os inspectores do IEFP terem confirmado presencialmente na empresa a qualidade do projecto realizado) que teríamos que reembolsar a pronto pagamento (pois, pois cá o estado não aceita receber a prestações) os valores que viessem a calcular que tínhamos recebido a mais.

Facto 6 – Burocracia brutal, cara e prossecutória do estado perante a entidade apoiada:

Em todo este processo há de notar a burocracia imensa e sem sentido que o estado cria. Se falta uma virgula num formulário, o estado não paga. Se o paragrafo X não está como querem, não aprovam esta fase. Se não entregamos certa documentação com certa regularidade, somos multados ou penalizados.

Estes pedidos têm 2 consequências naturais: o surgimento de firmas de consultoria que prestam serviços a troco de recebimento de percentagens sobre as verbas financiadas (muitas das quais contratam consultores externos que em alguns casos são os funcionários que nos próprios serviços acompanham e aprovam os projectos) representando desta forma um acréscimo de custo para o proponente do projecto que se vê num emaranhado de influencias e interesses em que ele é apenas um peão; e por outro lado custos efectivos com serviços solicitados a advogados e contabilistas de forma a conseguir cumprir tudo o que o estado solicita e exige.

Facto 7 – Apoio do estado ao recrutamento:

Comentei acima que uma das obrigações do projecto era a manutenção dos postos de trabalho. Pois foi previsto a contratação de desempregados.

Ora a expectativa era que o estado apoiasse no encontrar dessas pessoas, e que fizesse um papel de consultor de recrutamento. Pois, porque os postos de trabalho têm que ser mantidos por 4 anos, mas se a pessoa que está na função se demitir, temos 45 dias para contratar um novo desempregado involuntário para preencher a vaga, e se não a empresa não o fizer nesse prazo, seria multada!

Neste caso o que se verificou é que o IEFP não enviou um único perfil para entrevista que se encaixasse no que tinha sido solicitado. Mais ainda, enviou pessoas que nem sequer cumpriam os requisitos impostos pelo próprio estado para serem elegíveis nos apoios à contratação concedidos.

Adicionalmente, a mudança estrutural do IVA, faz com que esta pequena empresa seja claramente prejudicada em termos competitivos face aos seus concorrentes. Ajudaria a minimizar o impacto do aumento do IVA o facto de poder contratar profissionais independentes (a recibo verde) tal como é prática comum do mercado, pois o IVA incluído nos custos de profissionais independentes abateria ao IVA recebido.

Como a maior rubrica de custos dos negócios de serviços são as pessoas, o facto é que não só o programa de apoio e as suas regras discrimina negativamente esta empresa face aos seus concorrentes, como cria um claro incentivo à destruição de postos de trabalho e sua substituição por profissionais liberais sem vínculo laboral.


Conclusão – Efectivamente qual o balanço do apoio do estado aos projectos de desempregados empreendedores?

O estado, na minha opinião, e sabendo o peso da palavra que vou utilizar, enquanto entidade abstracta composta pelos seus inúmeros serviços e colaboradores - municipais e nacionais, efectivamente neste caso que aqui vos documento, comportou-se como um verdadeiro agiota, inconsistente, incompetente e inútil. Honestamente, creio que seria mais fácil desenvolver uma relação positiva com um agiota do que com o estado Português.

Do que observei, os esquemas e regras criados, têm servido para alguns mais informados e mais ligados nos serviços públicos se encherem de dinheiro, mas o comportamento do estado neste caso, não contribuiu de forma nenhuma para o sucesso do projecto, e as verbas até este momento recebidas já foram superadas pelos custos que a incompetência, burocracia, atraso nos pagamentos, e incumprimento de expectativas de que a existência do estado neste projecto representou.

Nas palavras deste empreendedor: “contar com o estado para me ajudar??? Nunca mais! Só me têm complicado a vida. Maldita a hora em que fiz esta opção...”

Claro que é apenas um testemunho, mas o que tenho verificado é que este testemunho tem recolhido imensa simpatia de outros que conheço terem recorrido ao mesmo tipo de apoios.

Alguma coisa vai muito errada neste país quando este é o balanço do apoio do estado à criação de novas empresas.

Neste momento este pequeno empreendedor está em mãos com um projecto que se tornou inviável economicamente fruto de uma alteração legislativa (a alteração da categoria de IVA), está amarrado ao estado na obrigação de manter a empresa por 4 anos, está profundamente endividado, não consegue tirar da empresa o base para o seu sustento e caso a empresa feche não terá direito a qualquer apoio social do estado ficando ainda com as dívidas a pesar sobre o seu futuro, tem parte da família envolvida neste projecto em risco de perderem tudo… está simplesmente entre a espada e a parede, e da minha análise sobretudo por razões que lhe são externas na sua maioria de responsabilidade directa ou indirecta do estado.

Dizia também este empreendedor: "Não me queixo da concorrência ou das condições do mercado, pois na medida em que todos competem com as mesmas regras, ganhará o melhor e eu só tenho que demonstrar o meu mérito. Queixo-me sim do estado que a cada dia me cria novas e maiores dificuldades e me discrimina por ter optado por montar um negócio legal e estruturado".

Se podemos acusar este empreendedor de alguma coisa é de ingenuidade: ingenuidade em ter confiado no “estado” quando este se ofereceu para o ajudar.

Mais informação sobre o relacionamento com o estado veja o capítulo “Sobre Portugal - funcionamento do Estado, Função Pública, Justiça e Economia” no índice do blog em http://portugalamazonas.blogspot.com/p/indice-por-temas.html. Recomendamos especificamente os seguintes posts:



Abraço,
Angatú