quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A Falência do franchising enquanto modelo

Vivem-se tempos difíceis, e apesar de em muitos negócios continuar a haver clientes, o que cada cliente gasta, não para de baixar.

Estou a falar de um cliente concumidor de classe média, claro.

Nestes contextos, os responsáveis das empresas locais (pequeno comercio e serviços - onde se enquadra a maioria das ofertas de Franchising) vêm a sua criatividade desafiada ao extremo na procura de oporunidades para aumentar as receitas, e rúbricas onde cortar custos.

Entre as possibilidades de aumentar a receita, os proprietários e gestores mais bem preparados, irão quase certamente passar pelas seguintes respostas:
  1. Vender mais entre os seus produtos ou serviços actuais a cada cliente;
  2. Aumentar o número de clientes na sua área geográfica;
Tipicamente são estas as soluções que os franchisadores apontam, pois têm um negócio assente num elevado grau de especialização (mercado de nicho, e um modelo de negócio desenhado e optimizado para um âmbito restrito), e assente num conceito de exclusividade geográfica (pois assentam o seu modelo de crescimento e financiamento na venda de áreas georgráficas exclusivas para esse modelo de negócio).

Mas estes dois tipos de soluções, são respostas num contexto de um mercado a funcionar regularmente, em que se pressupõe o facto de existir uma procura relativamente estabilizada (sem contrações drásticas e repentinas, ou alterações estruturais significativas).

Esta não é de todo a situação que o mercado Português vive neste momento. Os grandes números escondem uma realidade dramática nas pequenas e micro empresas de comercio e serviços ao consumidor.

Quando falamos de uma contração do PIB de 3%, muitas pessoas cometem o paralelismo grosseiro de pensar que essa quebra se transmite em igual proporção às diversas empresas, e logo concluem que 3% de redução nem pode ser assim tão máu.

Mas a realidade é que o PIB é um número muito abstracto para medir o comportamento dos consumidores no pequeno comercio (até porque nele não é contemplada uma parte substancial da economia, que é a dita economia paralela, e que é uma parte importante das receitas de muitas micro empresas e profissionais liberais).

Já por exemplo, uma contração de 1% do PIB, pode estar associado a uma contração de 4% no consumo privado. Este númer, o consumo privado, já é mais próximo da realidade que se sente no comercio, mas mesmo assim insuficiente, na medida em que aqui estão a compra de bens alimentares, uma das principais fatias deste número.

Portanto, um decréscimo de 1% no PIB, efectivamente pode traduzir-se numa redução de 20 ou 30% no volume de negócios de um determinado sector instalado numa determinada área geográfica.

O drama em Portugal é que não existem dados estatísticos que permitam este grau de granularidade, pelo que infelizmente muitas vezes os principais responsáveis, acomodados ou ignorantes, acabam por tomar decisões completamente erradas devido aos grandes números não lhes permitirem tomar decisões mais informadas, e sobre um conhecimento mais próximo da realidade.

Toda esta explicação pretende ajudar a perceber, que num momento como este, pode acontecer que um determinado modelo de negócio se torne inviável.

Infelizmente a grande maioria dos franchisadores não faz sequer estudos de viabilidade convenientemente sustentados. Mas imaginando que um determinado franchisado efectivamente fez o seu trabalho de casa em condições, vejamos um caso.

Por exemplo, um estudo de mercado de um franchisador diz que precisa de 4 novos clientes por dia com um valor médio de compra de 1.000 €, para obter uma uma receita média mensal de 80.000 €.
É pressuposto que para ter 4 novos clientes por dia com este valor de compra médio, que é necessário num bairro de classe média, conseguir em média 8 novos visitantes por dia, em que se consegue um rácio de conversão de 50% dos visitantes em clientes.

Então este negócio, necessita de cerca de 160 visitantes por mês, com interesse no produto e com capacidade financeira para potencialmente gastar 1.000 €.

Que percentagem da população de enquadra neste perfil? Podemos pensar que se enquadra neste grupo cerca de 30 % da população numa determinada localização. Sabendo que num mercado concorrencial nenhum novo fornecedor consegue mais que 30% de cota de mercado, vamos admitir que o potencial deste negócio a 5 anos, é atingir 10% de cota de mercado.

Então, em 5 anos, necessitaremos de 160 x 12 x 5 = 9600 visitantes ao longo de 5 anos. O que a corresponder a 10% da população, significa que este negócio necessita de 96.000 habitantes para poder ser viável.

Se considerarmos adicionalmente que um estudo de mercado revelou que um consumidor tipico adquire este tipo de serviços num raio de cerca de 5 km da sua residência,  e que a probabilidade de comprar a mais de 2 km é apenas de 50%, então este negócio só será viável em localizações que compreendam no minimo 48.000 habitantes dentro de um raio de 2 km.

Quantas localizações temos assim em Portugal???

Bem, neste exemplo, imaginei um franchisador que efectivamente fez bem o seu trabalho de casa.

Mas entretanto, o estado alterou o regime fiscal, a procura baixou, o rendimento disponivel das famílias diminuiu, e imaginemos que num espaço de 1 ano, em vez de 30% da populaçao se enquadrar no grupo das pessoas com propensão para comprar este produto, passou a poder apenas considerar-se 10%.

Só isto (e que reflecte em muito o que se está neste momento a passar em Portugal), implica que esta mesma empresa, para ser viável, necessitaria de um volume de população de 144.000 habitantes nu raio de 2km à sua volta!!!

Num cenário destes há que pensar fora da caixa e procurar outro tipo de soluções que passam por:
  1. Diversificar a oferta de forma a endereçar uma percentagem maior da população envolvente;
  2. Ajustar o modelo de negócio de forma a conseguir atrair clientes de zonas geográficas mais distantes.
Estas duas soluções esbarram na maioria dos casos, com os modelos de franchising existentes.

Em primeiro lugar, porque o franchisador desenvolveu o seu modelo de negócio numa base de venda de zonas geográficas exclusivas, numa malha apertada ao ponto de maximizar o potencial de clientes para o negócio à escala nacional, e a assumpção desta nova realidade, obrigaria o franchisador a assumir junto dos seus franchisados que o modelo que lhes vendeu é inviável, e aceitar deles uma rescisão incondicional e as consequentes perdas de receitas. Já viram algum franchisador fazer isto? Eu ainda não.

Em segundo lugar, o modelo do franchisador muitas vezes trás agregado um conjundo de relações (mais ou menos claras) com fornecedores, parceiros de negócio, e empresas conexas, que fazem muitas vezes com que a diversificação da oferta dê poder de escolha aos franchisados, e em sentido inverso, retire poder e autoridade ao franchisdador, o que acaba muitas vezes por levar à existência de inconsistências na rede, que são sempre motivo de atritos entre os franchisados que têm a iniciativa, e os outros que se queixam à rede de concorrencia desleal dos que não fazem igual a eles.

Sim, porque a partir do momento que as diferentes unidades têm ofertas distintas, passa a haver efectivamente um potencial de concorrencia entre elas, sobretudo nas redes que têm um modelo de implantação geográfica com muita granularidade.

Por um lado ou por outro, o facto é que o franchisador, se mantem inerte no rumo, e incapaz de ajustar ou reinventar o modelo de negócio.

Num contexto destes, adicionalmente, os franchisados começam a ver muito rapidamente as suas margens a diminuir, até entrarem em prejuizo, o que perante a incapacidade da empresa em suportar todos os custos, também não conseguem suportar os custos do franchisador.

Em conclusão, num contexto destes, as necessidades da empresa, quer em termos de corte de custos, quer em termos de aumento de receitas, tornam incomportável o modelo de franchising, não só porque este as amarra a um modelo que deixou de ser viável, mas também porque lhe imputa uma sobre-estrutura de custos que o mercado simplesmente deixou de pagar.

Podem muitos dizer que é injusto, mas é a realidade. Uma realidade infelizmente que muitos tardam em reconhecer e aceitar.

Conheço mais de uma dezena de franchisings em Portugal, relacionados com pequenos negócios de comercio ou serviços de bairro. Todos eles apresentam este mesmo comportamento, e por isso digo: para este tipo de negócios, o franchising faliu e deixou de ser um modelo viável.

1 abraço,
Angatú!

2 comentários:

  1. Boa Noite,
    deparei-me com o seu artigo,e gostaria,se possivel,de lhe fazer uma pergunta: Considera,por exemplo,o negócio da "Chaviarte" viável? Estou a ponderar abrir uma...

    Abraço,
    Ricardo

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  2. Caro Ricardo,
    Não conheço em detalhe o modelo de negócio da chaviarte, e por isso não lhe posso dar uma opinião honesta.
    Sugiro no entanto que leia os restantes posts que tenho no blog relativamente a franchising, em especial aqueles sobre lições aprendidas.
    O melhor conselho que lhe posso dar é: estude bem no que se vai meter. Não se precipite numa decisão.
    Eu com este blog pretendo colocar pergunts nas cabeças dos novos investidores, para que estes quando tiverem que tomar uma decisão,saibam o que ponderar de froma a tomar uma decisão bemustentada.
    Veja o índice por temas na barra lateral do blog,onde verá a listagem dos artigos aqui publicados organizados por tema: http://portugalamazonas.blogspot.pt/p/indice-por-temas.html

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