quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Reconhecimento de receitas, avaliação de empresas e burlas em Franchising (e não só)

A história de hoje, deixará confusa a mente de todos os que tiverem menos bases de finanças.

Mas vou tentar simplificar para ajudar a perceber porque é que algumas empresas aparentemente sólidas financeiramente e de grande dimensão, fecham as portas de repende por falta de dinheiro para cumprir as mais basicas obrigações.

Tem tudo a ver com a filosofia de gestão, e também em minha opinião, com a intenção de manipular a contabilidade para dar uma melhor imagem de um negócio do que a realidade demonstra.

No verão de 2012 houve diversas notícias em Portugal acerca de redes de clinicas dentárias que fecham de um dia para o outro, as quais os conumidores consideravam ser uma rede sólida. Houve também no final da década de 90 e ano 2000 e seguintes vários casos de empresas de grande dimensão nas áreas dos serviços que passaram por sérias dificuldades quando pouco tempo antes apresnetavam lucros brutais, sem que o comum cidadão percebesse porquê.

Não foram só os consumidores que achavam estas empresas sólidas, muitos bancos também acharam.

Para já a base está na má fé dos seus gestores que pretendiam enriquecer rapidamente, e que não olharam a meios para recolherem o máximo de dinheiro no mínimo tempo possível (alguns iluminados por aquela ideia americana de fazer 1 milhão antes dos 40 anos de idade).

Mas na minha opinião, a base começou com os critérios contabilísticos adoptados, os quais eram até à bem pouco tempo considerados como aceitáveis em Portugal, mas que vão completamente contra as boas práticas contabilisticas (por exemplo inscritas nas normas GAAP dos EUA - Generally Accepted Accounting Principles).

Tudo tem a ver com o que se considera ser a receita de uma empresa.
Isto é muito importante, pois num plano de negócio, é sempre mais fácil estimar os custos do que as receitas, e é a estimativa das receitas que representa o maior risco no investimento.

Quando vendemos um bem ou um serviço, quando é que temos uma receita?
  1. é quando o cliente encomenda?
  2. é quando o cliente paga?
  3. é quando o fornecedor inicia a entrega?
  4. é quando o fornecedor conclui a entrega?
  5. é quando o cliente reconhece ter recebido o bem ou serviço?
Do caso de um produto de consumo, numa loja tradicional, muitas destas coisas acontecem em simultâneo. O cliente pede o produto, recebe o produto, o cliente observa o produto para confirmar que é o que quer, depois paga e sai da loja.
Aqui não há dúvidas, temos dinheiro em caixa, e nesse mesmo momento a empresa pode reconhecer a receita respectiva.

Vamos complicar um pouco, e imaginar uma empresa de venda de equipamentos, que faz entregas ao domicilio aos clientes. O cliente até pode pagar uma parte antes, e outra na entrega, ou até pagar a 30/60/90dias ou mais. Mas o processo, em empresas organizadas, será: o cliente encomenda, posteriormente o produto é entregue nas instalações do cliente, e no momento da entrega o cliente assina um "auto de recebimento" o qual formaliza o seu reconhecimento de que o produto solicitado foi entregue nas condições desejadas.
Esta última formalidade é importante, e boa prática em empresas organizadas, porque pode por exemplo acontecer que durante o transporte o produto se danifique, e que quando o cliente o recebe, o mesmo não esteja em condições, e por isso o cliente se recuse a pagá-lo.
Assim, independentemente do momento em que ocorre o pagamento, a receita da empresa só deve ser registada na contabilidade quando o cliente reconhece que o produto foi entregue. Ou seja, neste momento a empresa reconhece o direito de receber o dinheiro correspondente, independentemente de o cliente o pagar logo ou não.

Daqui percebemos, que a questão contabilística de definir em que condições e em que momento uma receita é reconhecida como tal, não é igual para todas as empresas e para todas as circunstâncias.

Vamos complicar mais, e usar o exemplo de uma empresa de programação informática, que faz uma proposta para criar um novo programa para uma sua empresa cliente. Este programa deverá levar 2 anos a desenvolver. É acordado que o cliente paga uma parte com a adjudicação, tem pagamentos parcelares ao longo do projecto, e tem um pagamento final com a conclusão. Quando deve ser reconhecido pela empresa fornecedora a receita? Quando recebe a encomends? Quando recebe cada pagamento?

Para empresas de prestação de serviços que se arrastam pelo tempo, deveriam haver dois planos paralelos logo definidos de principio: um plano de aceitações parciais pelo cliente, e um plano de pagamentos.

A maioria das empresas apenas se preocupa com o segundo (o plano de pagamentos), e muitas acabam por se ver em tribunal a discutir com clientes que dizem não ter recebido o que encomendaram, e por isso não pagam.

Com estes exemplos, pretendo ilustrar alguns principios contabilisticos que reflectem as falhas na forma como a contabilidade destas empresas é feita (falhas que não sendo completamente ilegais em Portugal, na minha opinião reflectem uma de duas coisas: incompetência, ou má fé - qualquer uma das duas razões para nos afastar desse tipo de empresas).

Assim, vamos acentar algumas definições:
  • Receita: é um valor relativo a bens ou serviços efectivamente prestados pela empresa e aceites pelos clientes. Tipicamente formaliza-se uma receita com a emissão de uma factura.
  • Proveitos diferidos: tipicamente relacionam-se com verbas já recebidas pela empresa a título de adiantamento por produtos ou serviços a entregar no futuro. Este valor aparece no passivo das empresas, u seja o valor que as empresas devem a outros;
  • Dívidas de clientes: tratam-se de valores relativos a Receitas já declaradas, as quais ainda não foram pagas (facturas não liquidadas). Este valor aparece no activo das empresas, ou seja valores que pertencem às empresas.
Imaginemos o exemplo da empresa de software que se propôs fazer o programa ao longo de 2 anos.

O que deveria ter acontecido na sua contabilidade seria:
  • se recebeu dinheiro a título de adiantamento, declarar esse dinheiro como proveitos diferidos (aparece no passivo, pois eu sei que é chato, mas é a realidade do negócio - o dinheiro ainda não é da empresa, a empresa é apenas depositária dele, e declará-lo desta forma previne a tentação de o gastar - o que não é aconselhável, visto que ainda não "pertençe" à empresa).
  • no momento em que colocou um consultor a trabalhar no cliente, reconhecer TODOS os custos incorridos no exacto momento em que eles ocorrem (pode com isto acontecer que em determinando momento a empresa apresente prejuizos derivado deste projecto, pois já começou a reconhecer custos, e ainda não reconheceu receitas);
  • ao longo do projeto, deverá ter acordado com o cliente que o mesmo será realizado em fases, de forma a poder obter aceitações provisórias (sendo inclusive boa pratica estar logo no contrato de fornecimento uma checklist com as condições de aceitação), pelo que a cada fase deverá corresponder um valor monetário, o qual será reconhecido pelo cliente como devido com a conclusão dessa fase, e poderá então ser reconhecido como receita).
  • No final do projecto, com todos os serviços entregues e aceites pelo cliente, está reconhecida a totalidade da receita, e a totalidade dos custos.
Aprende-se nas primeiras disciplinas de finanças, que a contabilidade deve espelhar a realidade operacional da empresa. Por isso este exercício, espelha a realidade da empresa.

Agora imaginemos um gestor burlão que quer enriquecer rapidamente. Pegando no mesmo exemplo da empresa de software, o que muitos fazer é no momento em que recebem a encomenda do cliente, reconhecer fiscalmente a receita!
Vejamos o impacto disto na avaliação da empresa. A empresa apresenta lucros brutais pois declarou uma receita para a qual não teve ainda quaisquer custos, e para além dos valores de adiantamentos não aparecerem no seu passivo, ainda terá um valor de dívidas de clientes no seu actuvo, inflacionando os seus capitais próprios e dando uma imagem de solidez financeira completamente falsa.

Se em vez de um projecto imaginarmos centenas ou milhares de pequenos projectos, podemos estar a valar de números muito grandes.

Com esta "adulteração" criativa das contas, que alguém me disse não ser ilegal em portugal ("poderá ser questionável, mas não ilegal" disseram-me), este gestor apresenta-se com uma tal robustez financeira que lhe permite conseguir facilmente grandes empréstimos junto da banca, ou acordar prazos e condições de pagamento com fornecedores que lhe permitam fornecer-se sem pagar.

Supostamente a legislação em termos de contabilidade num país deveria ter como objectivo não só a colecta de impostos, mas também o assegurar de um clima de confiança e transparência no relacionamento entre empresas, com base em regras claras que permitam uma correcta avaliação entre as empresas e logo também promover assim uma forte base de confiança entre instituiçõs privadas, bancos, investidores e clientes.

Pergunto. Será que podemos tirar um paralelo do meu exemplo da empresa de software para uma clínica dentária? Se sim, então aqui poderá estar uma explicação para o que aconteceu nessas clínicas.

Conclusão, se lhe apresentam um negócio, peça para lhe prepararem junto com um plano de negócio uma somulação de demonstração de resultados e balanço para os 3 primeiros anos.
Se quem lhe quer vender o negócio demonstrar esta criatividade contabilística, pense nos seus valores éticos antes de entrar, pois negócios milionários e de grandes ganhos rápidos, habitualmente têm algum senão.

1 abraço!
Angatú

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