domingo, 3 de janeiro de 2010

O estado dos valores e da ética em Portugal

Já à vários anos que a ideia de compilar e partilhar as ideias que me assaltam, vem sendo pensada. Consideramos sempre os prós e os contras, mas este ano decidi finalmente correr o risco.

Ano novo vida nova. Além do que ninguém aguenta mais o pessimísmo que se vive em Portugal. É certo que a situação é difícil, mas o mais impressionante é que a grande maioria da população não se deu conta que a economia representa os actos que cada um enquanto indivíduo empreende. Seja enquando consumidor nas decisões do que se compra e como se compra, seja enquanto funcionário na postura que se assume profissionalmente e no empenho que se põe em fazer mais e melhor independentemente do euro imediato que se recebe por isso, seja enquando empresário na ética e responsabilidade com que se abordam as questões independentemente da justiça funcionar ou não, e sem olhar apenas para o ganho de curto prazo.

E resolvi para abertura deste meu blog falar exactamente disto: a ética e sustentabilidade nos negócios!
Até porque este é um dos meus desejos de ano novo: que a ética invada e o sentido de justiça encha as consciências de todos os intervenientes mais directos na economia deste país.

É impressionante. Choca-me e entristeçe-me a postura da grande maioria da população portuguêsa. A culpa de estar nesta situação é de todos! Por exemplo quando votam em determinado partido político pois é o que mais promete beneficiar os seus desejos individuais de curto prazo, mesmo que isso comprometa o médio prazo e o bem colectivo. Ou quando se queixam do ambiente profissional em que estão inseridos, mas continuam a tomar todas as decisões de mudança profissional apenas impulsionados pela necessidade de ter e mostrar mais posses. Ou quando decidem "arriscar" na criação de empresas, mas em que ética ou responsabilidade social são chavões para conversa com "quem lhes interessa", e o bater no peito é só para missa, pois quando saiem para a rua são autenticos selvagens, que olham para todos os que passam apenas como potenciais presas...

Pensam os empresários que vão tirando proveito no curto prazo: "enquanto os meus bolsos forem enchendo, os outros que se explodam! Se for preciso enganar, fazer promessas falsas, iludir os otários crentes na boa fé..."

E o pior é que os ditos "trabalhadores" que numa cultura sindicalista de reivindicação apenas por reivindicar, e ser do contra apenas por ser, que tanto se vê em Portugal, alinham com esta postura de certos ditos empresários em que o que interessa é dar para si. Se no processo se destroi a vida de alguém, se se atropela alguma pessoa, ou se pisam as mais basicas regras da ética e até da legalidade, enquanto der para o próprio, fecha-se os olhos... pois "afinal não podemos fazer nada para mudar, se sairmos daqui o que vier atrás fará o mesmo, além de que nisto as empresas são quase todas iguais".... surrealista!?!?!?! não???? Pois digo-vos: tudo isto é bem real. Tem nome e apelido, e encontra-se infelizmente demasiado por este país.

Mas muitos pensam mesmo que isto é conversa de novela ou de filme!!! Pois digo-vos em 3 anos de empreendedorismo: é bem mais comum do que alguma vez imaginei!

Estes 3 anos têm sido um misto de alegrias e de desilusões. Pelo lado das alegrias há a assinalar todos aqueles que ainda acham que fazer bem sem olhar a quem, trará bem ao próprio e à comunidade no médio longo prazo (infelizmente, uma minoria mas que tem sido um enorme prazer encontrar). Pelo lado das desilusões, há todos os outros, e infelizmente a maioria que olha para o mercado como uma selva, em que há que matar ou morrer, e que para além da sobrevivência não existem regras.

Já vi de tudo: pessoas que aproveitam uma posição dominante e a falta de conhecimento da outra parte para os levar a assinar contratos que os deixe completamente nas suas mãos, isto porque sabem que não há justiça que funcione no que é obvio, muito menos para defender a parte mais fraca em situações que podem não ser perfeitamente claras quanto a culpados; pessoas que simplesmente olham para o lado, pois o que interessa é que o seu continue a correr; pessoas que procuram o pior em si, se corrompem em valores e em principios no objectivo de impressionar quem "manda" e conseguir ainda mais proveitos pessoais; há até aqueles que assinando contratos, no dia em que deixa de lhes interessar dão o dito pelo não dito, e simplesmente subvertem tudo o que escreveram nos tais contratos, pois sabem-se protegidos por uma justiça cara e lenta que penaliza os queixosos, e proteje os que a violam por inercia e manifesta incapacidade se produzirem consequências.

Ser empreendedor num país assim é realmente uma louca aventura!

Agora imaginem o seguinte cenário: estamos numa reunião estratégica dos quadros superiores de uma daquelas multinacionais que facturam por ano tanto ou mais que o PIB do nosso pequeno país, e tem que se decidir em que país fazer alguns pequenos investimentos estratégicos, mas que podem vir a representar receitas significativas para esse país, bem como a criação de uma base estratégica de serviços que pode ser um diferenciador na captação de mais investimentos. Nessa reunião temos entre muitos outros, um Alemão, um Britânico e Português (e isto não é completamente ficção!). Os dois primeiros induvíduos (que vou chamar nomes fictícios de Georg, e Peter) tiverem experiências prévias de trabalho com empresas Portuguesas, e tiveram responsabilidades sobre operações de multinacionais no mercado Português. Quando o Português apresenta as mais valias do seu país no contexto da zona Euro, recebem-se alguns comentários. Diz o Britânico: quanto a este país a minha experiência é que a justiça simplesmente não funciona, e que o mundo dos negócios se move como se estivessemos no 3º mundo - ou conheçemos a pessoa certa, ou a haver problemas nunca conseguiremos reivindicar responsabilidades - pelo que ou temos algo muito grande para fazer de modo a que seja relevante para o governo e tenhamos o patrocínio de um político importante, ou para pequenas coisas é um risco imenso. Diz o Alemão: na minha experiência de trabalho neste país, verifiquei que a grande maioria dos seus profissionais são excelentes a desenrascar soluções para os problemas que a sua própria desorganização criou.

Perante tais comentários pensa o Português: têm razão. Somos desorganizados porque todos pensam apenas no curto prazo, pois como não há justiça neste país, não se pode planear, fazer invesimentos a médio longo prazo, pois nunca sabemos o que vamos encontrar pela frente. Gestão de risco neste país é praticamente impossível: ou és muito grande para que políticos de diversos partidos te cubram, ou estás entregue aos bichos.

O Portugês ainda tentou argumentar com as provas que tantos profissionais portuguêses têm dado pelo mundo fora, alegando para as suas capacidades criativas, de negociação, e de análise, associado a um país que tem um pé num dos maiores mercados em crescimento do mundo (o brasil), e numa boa parte da áfrica, região que bem suportada poderá abrir espaço para os crescimentos que a empresa já não consegue encontrar nos mercados desenvolvidos. Alegou até o famoso diferenciador apontado pelo nosso ex-ministro da economia: Portugal tem a mão de obra mais barata da zona Euro!

Mas a questão é que a empresa tinha uma série de pequenos investimentos para fazer, e os retornos eram esperados a médio/longo prazo, o que exigia perspectivas crediveis sobre a evolução do contexto empresarial a um prazo para além da vida de um governo. Também, a empresa rege-se por padrões éticos e de responsabilidade social de referência, e não permite práticas como pagar uns agrados a alguns políticos, ou recrutar pessoas que não têm qualquer competência profissional reconhecida a não ser o facto de privarem com pessoas consideradas actores relevantes dos "sistemas" do país, ainda por cima como efectivos e num país em que a flexibilidade laboral é tão limitada.

Muitos mestres de opinião olharão para a situação que descrevo, e dirão: "isso é tudo treta! Afinal vamos ter a fábrica da IKEA no norte, vamos ter o cluster aeronáutico no alentejo. Há muitos estrangeiros decididos a investir em Portugal. Se fosse assim, estes investimentos não viriam".

Pois a isso tenho que vos responder assim: errar uma vez é humano, e tem a ver com o processo de descoberta. Errar duas, é burriçe. Traduzindo em linguagem mais objectiva...

Dando o exemplo do franchising (que hoje já vou conheçendo muito bem): apesar de todas as boas práticas que existem no escolher de qual a melhor oportunidade de franchising para nós, não há nada que substitua a realidade. Todos sabem que nas oportunidades menos conhecidas é que estão os maiores potenciais de ganhos... mas também as maiores potenciais de desilusões.

Por exemplo: alguém abre um negócio. Leva cerca de 2 anos fiscais a realmente compreender as dinamicas desse negócio, e a compreender os diversos actores com quem se têm que relacionar. Findo o primeiro ano, e se o franchisador não for completamente mau, terá conseguido criar a ilusão de que o negócio é mesmo fantástico (quase todos os planos de negócio apresentam objectivos muito baixos para o primeiro ano, e depois é sempre a subir por 5 anos...)! Ai o investidor anuncia a sua intenção de abrir uma segunda unidade. Mas se for um investidor conscencioso e prudente, não realizará essa intenção sem ter fundamentado melhor a sua análise. Se houver zonas de dúvida relevantes ou inconsistencias na relação com os actores do negócio, abrandará a sua tomada de decisão até que tenha uma ideia bem sustentada sobre essas áreas, o que poderá culminar com a conclusão de que as áreas cinzentas escondiam aspectos negativos e de muito risco para o negócio, e decide ficar-se apenas pelas intenções e não avançar com o segundo investimento.

Agora comparemos com quadros de multinacionais que olham para os diversos países como um pequeno investidor olha para potenciais franchisadores. Essas multinacionais podem fazer um primeiro pequeno investimento no país para conhecer melhor o mercado e as regras reais de funcionamento do país. Os políticos podem até vender o país como um El-Dorado, mas investidores prudentes não avançarão com grandes investimentos com retornos a médio-longo prazo sem confirmar as promessas e os cenários fantásticos apresentados.

Após 2 anos a operar em Portugal já souberam que a justiça não funciona pois tiveram processos litigiosos em tribunal a arrastar-se incompreensivelmente, já tiveram pessoas influentes na politica com posições em empresas a quem não aturaram abusos das suas posições contratuais a mover-lhes autenticas perseguições que lhes custam muito dinheiro, já tiveram imensas situações difícieis em que perderam apenas por falhas processuais embora tivessem manifestamente razão, já tiveram maus trabalhadores a levar a empresa ao fundo e dos quais não se conseguem livrar fruto da burocracia necessária e apesar da manifesta má fé, já tiveram fornecedores fraudulentos que desapareçem abrigados pela incompetência do sistema judicial.

Seja no coitado que quer escolher um franchisador, ou na multinacional que procura um país para investir, se ao longo do tempo as expectativas se vão repetindo como frustradas, a palavra vai passando: a cada dia são mais os "ex" a mandar a imagem abaixo. Até que um dia todos os esforços de marketing que se possam fazer (seja de um franchisador ou de um país) já não chegarão para encontrar "ingénuos" que ainda não tenham ouvido falar do risco que é cair nas mãos deles (franchisadores ou países).

E ai começa-se a ver: os que podem vão saindo, e os que entram são cada vez menos, com investimentos cada vez menores, cada vez a repetirem menos as experiencias.

Isto é assim com um país, uma rede de empresas, uma pequena empresa ou até um profissional. O problema é sistémico!

Em qualquer negócio, ter uma boa reputação é uma fonte fundamental de sustentabilidade a médio-longo prazo. E reputação constroi-se com confiança, palavra tão falada recentemente, mas que já em 2003 Robert Galford abordava na HBR (The Enemies of Trust).

E ou esta mentalidade instalada neste país muda, ou o caminho será cada vez mais para o fundo.

Há que haver regras. Há que haver principios. Sejam as regras ou os principios (lei ou ética), a violação de qualquer um deles tem que ter consequências claras, rapidas e definitivas para o violador.

Em Portugal, a lei não funciona. A Ética... essa então é uma utopía de poucos, que num contexto de tal maneira selvagem vão sendo engolidos aos poucos, ou fogem para ambientes em que "os valores ainda tenham algum valor" (já o dizia um ex-ministro das finanças na SIC Noticias um dia destes).

Sou um pequeno empresário, e sinceramente desejo que 2010 revele que continua a valer a pena apostar em Portugal. Neste momento vejo mais dificuldades que oportunidades. E não me queixo da crise! Queixo-me si da falta de justiça, de legislação confusa, de um estado que existe para nos perseguir, e não para nos incentivar e proteger, de um contexto profissional e empresarial que protege os predadores selvagens e deixa muito pouco espaço para ser um agricultor de sustentabilidade.

Pela minha parte vou continuar a fazer aquilo que tem vindo a definir os meus negócios: promover valores!

- cliente em primeiro lugar! Ele é a razão de existir da empresa e é mais importante que o seu proprietário. Tudo o que se faça e que não se traduza directa ou indirectamente num beneficio para ele, não faz sentido ser feito. Tudo o que se faça que se traduza directa ou indirectamente num malefício para ele, não pode ser tolerado.
- honestidade! Ética, transparência e integridade fazem parte de quem somos. Temos que ser exemplos destes padrões em todos os momentos.
- trabalho em equipa! Ninguém sozinho por mais brilhante que seja faz o sucesso de uma empresa. Ajuda para seres ajudado. Põe o bem do grupo acima do teu bem individual imediato, e o grupo fará por te compensar por isso no médio prazo.
- responsabilidade! Eu assumo, não apenas as responsabilidades por aquilo a que estou ligado directamente, mas também por tudo o que está associado aos objectivos da empresa. Sinto-me e comporto-me como co-responsavel por tudo o que se passa nesta empresa e por todas as pessoas que a integram.
- atitude positiva! Procuro proporcionar e retirar o melhor de cada situação. Até nos problemas, dificuldades e derrotas há um lado positivo: eles fazem-me crescer, fazem-me mais forte, ensinam-me.

É isto que peço a quem trabalha comigo.

É isto que desejo a Portugal em 2010!

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. Parabéns,

    Excelente artigo, indicaste o problema de uma forma subtil e directa.
    Muito bom, continua a escrever as ideias que te assaltam.

    PM

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