Muito se tem falado sobre a inevitabilidade das subidas de impostos anunciadas, e infelizmente tenho que concordar que o descaso que tem pairado sobre a gestão do bem público, nos conduziu a esta infeliz inevitabilidade.
Nenhuma casa de família pode viver constantemente gastando "um pouquinho" mais que aquilo que ganha. Inevitavelmente um dia encontrará uma parede pela frente, pois ou deixa de ter dinheiro para pagar as contas, ou deixa de ter quem lhe empreste para continuar a gastar mais que ganha. Este deveria ser por regra o princípio da gestão do bem público. Eu quando não tenho dinheiro para jantar fora, como em casa. Se fazemos isto com o nosso dinheiro, deveriamos ter ainda mais cuidados quando gerimos bens alheios. Por isto não se verificar, se ouve tanto que faltam verdadeiros servidores públicos, daqueles que colocam o bem comum acima do seu bem pessoal, na certeza que o bem comum também os beneficiará no médio/longo prazo.
Isto não aconteceu em Portugal nos últimos anos, e vemo-nos obrigados a espremer todos os tostões que o país poder dispensar para alimentar este descontrolo de muitos anos.
Mas perante esta inevitabilidade, há opções que podem ser feitas: onde se sobem os impostos ou onde se corta a despesa.
Vou dar o meu exemplo para explicar os impactos das opções agora anunciadas para o orçamento de estado em 2011. Decidi em 2009 investir na criação de uma empresa, no sector da saúde e bem estar, na expectativa que este segmento apresentasse um crescimento mesmo num cenário de crise, e num cenário de IVA a 5%.
Perante esta situação fiz um plano de negócio, negociei financiamentos, analisei a viabilidade do projecto. O cenário era claramente positivo.
Desde Outubro de 2009 até hoje, o IVA subiu para 6%, o crescimento da economia tão anunciado no primeiro trimestre de 2010 verificou-se pontual e sem impacto na vida das familias, espera-se uma retoma da subida dos juros face às maiores economias europeias já estarem a recuperar, e cá o desemprego continua a subir, o rendimento das familias a caír a pique, a confiança dos consumidores em queda livre...
E no meio de tudo isto, para que já me tinha preparado (temos que preparar sempre um cenário adverso nas nossas análises de decisões de investimento), houve agora uma surpresa para que não estava de todo preparado. Subida do IVA aplicável a esta empresa de 6% para 23%.
Porque é que isto é grave? Quem conhecer um pouco da lei da oferta e da procura (http://en.wikipedia.org/wiki/Supply_and_demand), sabe que na medida em que os preços sobem, há cada vez menos consumidores disponíveis para consumir o produto. Assim, considerando que o negócio está numa fase estável, mas com baixa rentabilidade derivado das actuais condições de mercado, sendo recente ainda tem muita dívida para amortizar, uma subida do IVA de 6% para 23% provocará um de dois cenários:
- ou subimos os preços para reflectir este aumento de IVA, e baixamos a facturação por erosão da base de clientes, e a empresa caminha para a ruptura;
- ou mantemos o preço absorvendo o impacto do IVA e um negócio que hoje é rentável, passará por decreto governamental a dar prejuizo em Janeiro de 2011.
Em qualquer cenário, a expectativa é que o negócio caminhe para a ruptura.
Esta mudança violenta de regras, perante um negócio tão recente, é fatal, e levará inevitavelmente centenas de empresas afectadas por esta mudança à ruptura, sobretudo as mais jovens, que também estarão mais pressionadas pela subida dos juros esperada para 2011.
Ouvi a muitos, que quando o IVA baixou para algumas destas actividades à alguns anos atrás, tal não se reflectiu na descida dos preços das empresas instaladas a essa data.
Pois é verdade, mas também é verdade que se tal descida não tivesse ocorrido, não teriam surgido tantos concorrentes, com modelos de negócio mais optimizados e abrindo em localizações que no cenário anterior seriam inviáveis, com preços mais reduzidos, e levando esta oferta a mais segmentos do mercado e a mais regiões do país.
Estamos a falar de desporto. Sim, fitness, saúde e bem estar. Actividade física. Ou seja, se seguem o novo programa da SIC Mulher (passo a publicidade) "The Biggest Looser", quanto mais não seja, já conseguiram perceber os inúmeros benefícios da prática do exercício físico, bem como o contributo que esta pode dar na redução de doenças, e consumos nos serviços públicos de saúde.
Com esta mudança, centenas de pequenos investidores perderão tudo, pois empenharam aos bancos tudo o que tinham para ter o seu próprio negócio, e ter uma actividade física voltará a ser um luxo de algumas elites mais abastadas.
Que subam os impostos, de acordo. Mas em alinhamento com o esforço de todos os outros sectores, não mudando assim radicalmente as regras.
É injusto e penalizador de jovens empreendedores, que fizeram a opção de criar emprego neste contexto tão difícil que temos vindo a viver nestes últimos 2 anos.
É lamentável que seja o estado por decreto a provocar a ruína de pequenos negócios que hoje são viáveis. Não há que queixar do mercado, nem da concorrencia. Quem faça de forma séria um plano de negócio nos dias de hoje, tem que se preparar para tudo isso. Mas algo que ninguém consegue antever, é uma mudança das regras do jogo desta envergadura, que é algo que retira a confiança dos investidores, razão pela qual habitualmente os estados evitam mudanças de regras tão profundas sem que haja um debate prévio alargado que permita aos afectados adaptar-se.
Alguns pequenos empresários que conheço ainda têm esperança de conseguir acomodar este sobrecusto que esta mudança de IVA representará. Provavelmente terão que reduzir postos de trabalho, espremer os fornecedores, tentar renegociar com todos os parceiros as condições de pagamento estendendo os seus prazos, para manter o negócio vivo e não incumprir com ninguém.
Mas sei que muitos morrerão, e acentuarão o descrédito na política hoje seguida no nosso país.
O estado hoje em Portugal comporta-se como aqueles bichinhos que: comem tudo, tudo, tudo... e não deixam nada, nada, nada...
Eu próprio, quando leio este post e leio de novo o que escrevi em:
- O estado dos valores e da ética;
- O estado e as entidades públicas para as pequenas empresas;
- Franchising e Legislação
fico arrepiado com a imagem com que fico da realidade em que vive o pequeno empreendedor hoje em Portugal. É um verdadeiro filme de terror.
Há que aplaudir bravamente aqueles que nestas condições empreendem novos projectos e ainda demonstram confiança no futuro.
Ter o próprio negócio é cada vez mais uma opção para aqueles que não conseguem encontrar opções satisfatórias no mercado de trabalho. Face à inexperiência, muitos começam por procurar oportunidades em franchising. Neste blog partilho a minha experiência enquanto franchisado, franchisador e observador atento das redes de franchising em Portugal, em contraponto com a minha experiência enquanto profissional em multinacionais de referência.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
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